10.15198/seeci.2016.39.46-71
INVESTIGACIÓN
THE «FOREVER YOUNG» CANON. FIGURAÇÕES PUBLICITÁRIAS DA FEMINILIDADE
THE “FOREVER YOUNG” CANON. FIGURATIONS OF THE ADVERTISING OF FEMININITY
Eduardo-JM Camilo1 Assistant Professor in Communication Sciences at the University of Beira Interior; Teaching Research in Labcom-IFP, University of Beira Interior, Portugal.
1Universidade da Beira Interior. Portugal
RESUMO
No discurso publicitário contemporâneo, a significação da marca prevalece sobre a do produto. Esta é uma das várias consequências da exploração cada vez mais recorrente dos valores intangíveis em detrimento dos que se assumiam como o fundamento das USP. Parafraseando Jean Marie Floch, o registo promocional incide cada vez mais nos paradigmas da publicidade oblíqua e, principalmente, da publicidademítica, relativamente aos, quais referências como Ph Michel ou, principalmente, Leo Bernett e Jacques Séguela foram incontornáveis (Floch, 1990, pp. 201-204; Camilo, 2010, pp. 123-130). Justamente, tendo por referência este contexto discursivo, é nosso propósito descortinar de que modo é figurado o actor dem publicidade, principalmente o que protagoniza os papéis de «jovem» e de «mulher». Este trabalho visa proceder a uma classificação dos regimes de representação publicitária da «mulher jovem» e decorre de uma análise semiótica de índole textual. Fundamenta-se num corpus composto 230 por anúncios publicados em revistas femininas editadas em Portugal no período decorrente ente Maio e Julho de 2015. Pretendemos com esta análise qualitativa traçar um ‘perfil semiótico’ do actor feminino e verificar até que ponto este se encontra sobre-determinado por um atributo: o da «juventude».
PALAVRAS-CHAVE: Publicidade, semiótica, análise textual, figurativização tematização, figurações, femininas, figurações etária
ABSTRACT
In the contemporary advertising discourse, brand’s meanings prevail over the ones concerning the products. This is one of the several consequences resulting from the increasingly exploitation of the intangibles values to the detriment of those ones usually took as the USP fundamentals. To paraphrase Jean Marie Floch, promotional expressiveness relies increasingly in those paradigms of the oblique advertising and especially of the mythical advertising, for which references as Ph Michel or, especially, Leo Bernett and Jacques Séguéla become unavoidable (Floch, 1990: 201-204, Camilo, 2010: 123-130). Precisely with reference to this discursive context, it is our purpose to unveil how is figured the advertising actor, especially that one who plays the roles of “young” and “female”.
This work aims to carry out a semiotic classification of the major advertising representation schemes concerning the “young woman” and stems from a semiotics approach of textual nature. It is based on a analysis corpus of 230 advertisements published in Portuguese women’s magazines in the period from May and July 2015. We intend with this qualitative study to trace a ‘semiotics profile’ concerning the female actors in order to verify in what extent they are over-determined by an attribute: the ‘youth’.
KEY WORDS: Advertising, semiotics, textual analysis, análise textual, figurativization, thematization female figuartions, age figurations
Recibido: 08/09/2015
Aceptado: 10/12/2015
Correspondencia: Eduardo J. M. Camilo1 - Professor agregado em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior; Docente investigador no Labcom-IFP, da Universidade da Beira Interior, Portugal.
eduardocami@gmail.com
1. INTRODUÇÃO
O estudo que nos propomos insere-se em pesquisas sobre a figuração da mulhe eo imaginárioestereotipado da feminilidade. Sobre atemática da feminilidade, baseámo-nos em diversos estudos como os patentes em Erving Goffamn (1977), Silvana Mota-Ribeiro (2005), Justine Marillonnet (2014) ou no site Images of women in advertising. No que concerne à figuração feminina, mais concretamente ao corpo da mulher, recorremos a Desmond Morris (2007). Para a relação de compromisso entre as mensagensveiculadas e expectativas significação das audiências, apoiámo-nos em Patrick Charadeau (1983), Eliseo Véron(1985) e Andrea Semprini (1992; 1996).
A avaliação da figuração publicitária da «mulher jovem» por intermédio de uma análise semiótica do texto sincrético encontrou-se fundamentada numa epistemologia inscrita no domínio da semiótica textual. Foram várias as referências exploradas: Algirdas Greimas e Philipe Courtés (1993), Algirdas Greimas (1976;1989) e Diana Pessoa Luz de Barros (2004). Num ângulo de análise mais descritivo e aplicado, recorremos ao já referido Andrea Semprini (1992; 1996) e, principalmente, a Jean Marie Floch (1990; 1995). Destacamos também os estudos da equipa de William Leiss (William Leiss, Sut Jahlly e Stephen Kline, 1988) para este trabalho por constituírem uma contribuição fundamental para a contextualização da figuração da mulher num frame fundamental do discurso publicitário: o das «pessoas».
2. OBJECTIVOS
No âmbito desta pesquisa pretendemos verificar as seguintes hipóteses:
1ª) A «mulher jovem» é uma figura publicitária redundante e coerente, quer no âmbito dos sentidos gerados nas mais variadas categorias de marcas e produtos, quer nos que são específicos de algumas em particular;
2ª) Não obstante a coerência e a redundância de sentidos, sempre é possível descortinar variações que se encontram subjacentes à seguinte dicotomia: «jovem mulher» vs «mulher rejuvenescida» (mulher jovem);
3ª) Podem existir heterogeneidades na figuração feminina associadas ao facto do discurso publicitário se articular de modo distinto em três frames configurativos de sentido publicitário: os relativos às ‘pessoas’, aos ‘produtos’ e aos ‘cenários de bem estar’;
4ª) A figuração publicitária da «juventude feminina» actualiza, mas também propõe a renovação de estereótipos quer da «feminilidade», quer da «juventude» por referência a contratos de leitura estabelecidos e geridos entre anunciantes, revistas, audiências e públicos-alvo. Estes contratos contribuem para que os sentidos veiculados não possam ser considerados puramente logotécnicos, unilaterais.
2.1. A figuração publicitária: fundamentos epistemológicos e metodologia
Numa perspectiva semiótica de inspiração textual, a figura, juntamente com o tema, corresponde àquele elemento do Percurso Gerativo de Significação que materializa significados que, até à etapa das estruturas discursivas, ainda eram simplesmente virtuais (cf. o esquema em Courtés e Greimas, 1993:160).
É incontornável a importância da figura nos processos gerativos de sentido. Em primeiro lugar, juntamente com o tema, constitui-se como a unidade semiótica na qual se instalam nos discursos determinações sócio-históricas e ideológicas que assumem a forma de temáticas (Barros, 2004:12). Em segundo lugar, e tal como já foi referido, a figura também é uma importante unidade semântica na qual se concretizam os sentidos entretanto emergentes noutros planos estruturais do percurso gerativo de sentido (publicitário). Em terceiro lugar, é de salientar que é no âmbito das figuras que ocorrem efeitos pragmáticos e de sentido que são essencialmente de «realidade», de «verosimilhança», de «prazer» e de «criatividade
estética». Finalmente, destaca-se a particularidade da distinção entre tema e figura se fundamentar na dicotomia entre ‘tópico’ (assunto) e ‘representação’ (encenação). Em termos publicitários, este tópico reportará primordialmente a um produto ou a uma marca.
Para além desteenquadramento estritamente semiótico, considerámos importante proceder a outro que nos possibilitasse aferir como a figuração da «juventude feminina» também decorria de certas modalidades de comunicação publicitária que estão adjacentes à exploração de frames de geração de “sentidos típicos”. Neste enquadramento, seguimos de perto das teses de William Leiss et al (Leiss, Jahlly e Kleine 1988: 189-214).
No âmbito de uma conceptualização dos formatos de mensagens publicitárias, os autores propuseram três frames de sentido publicitário: o dos produtos/objectos, o das pessoas e o dos cenários de bem-estar.
No dos produtos/objectos, é de salientar que a singularidade da publicidade enquanto género textual se fundamenta nesta categoria. A publicidade não existe sem a significação de mercadorias, nem de marcas (Georges Péninou, 1976: 95-106; Naomi Klein, 2002). Por sua vez, o frame dos cenários de bem-estar, implica a organização de uma espacialidade no qual se decide uma espécie de dramaturgia publicitária: originariamente, desde os da fábrica e do entreposto comercial, aos da loja, do super e hipermercado e, mais contemporaneamente, aos das exóticas florestas da amazónia ou da estepes da Sibéria (por exemplo). Finalmente, a terceira categoria de frame publicitário corresponde à dos sujeitos concebidos como actores que protagonizam papéis sobre-determinados por temáticas/valores mais ou menos den índole microeconómica. Eis os que protagonizam assumidamente “papéis publicitários”: os apresentadores (nos quais integramos os manequins/modelos), os demonstradores, as testemunhas/consumidores, os prescritores. Deverão ser vistos como a personificação publicitária de uma cultura comercial, de produção e de consumo. Eis, complementarmente, os cuja performance reporta a papéis não publicitários, reflectindo outras estruturas ideológicas que já não apresentam um fundamento microeconómico: os modelos, as celebridades, os actores que encarnam papéis que visam contextualizar as propostas comerciais nos universos simbólicos responsáveis pela transformação dos produtos/designações comerciais em marcas.
É a partir deste último frame de significação publicitária que incidiu esta reflexão. Em que medida o casting dos sujeitos publicitários se centra numa figuração cuja temática reporte usualmente à feminilidade e à juventude? E como foram figuradas tais categorias nos textos publicitários editados nas revistas femininas em Portugal durante o Verão de 2015?
Este ensaio é caracterizado pela análise textual de um corpus constituído por uma amostra representativa de revistas femininas publicadas no período decorrente entre Maio e Julho de 2015. Optámos por este período por ser o que antecede e acompanha o início do Verão, comportando variadas campanhas promocionais nas quais o corpo feminino se encontra mais representado. Foram sete as revistas seleccionadas que considerámos abarcarem os mais variados tipos de audiência em Portugal: Lux Woman, Cosmopolitan, Máxima, Vogue, Cristina, Activa e Elle. O corpus de análise abarcou 230 anúncios sistematizados em nove categorias: aparelhos (por exemplo, computadores ou depiladoras), utilidades (malas de viagem ou colchões), acessórios (óculos ou relógios e, de modo geral, tudo o que reporte aos vestuário e ao calçado), cosmética (perfumes ou produtos de maquilhagem),
terapia (regeneradores/reparadores anti-age ou de combate à celulite), alimentação, higiene (incluindo higiene íntima), empresas (desde as clínicas de nutrição e de emagrecimento aos spa), e publicidade social (anúncios de causas sociais como é o caso do combate ao cancro do colo do útero).
3. DISCUSSSÃO
Esta secção encontra-se articulada em quatro sub-secções conforme os resultados da análise semiótica reportam a especificidade dos perfis figurativos (3.1), regimes de expressividade (3.2), programas narrativos (3.3) e exprimem um enquadramento axiológico (4.4).
3.1. Os resultados relativos aos perfis figurativos
Na esmagadora maioria dos anúncios inventariados nos quais o sujeito publicitário foi significado com maior evidência (em termos de representação iconográfica/gráfica ou menção verbal), a «juventude feminina» é uma figuração temática recorrente. É como se napublicidade das revistas femininas as fases da vida representadas nas imagens de Épinel ficassem empobrecidas em proveito das figurações que vão dos 20 aos 40 anos; como se no mundo da publicidade não existisse lugar para os mais velhos e os mais novinhos fossem retratados como protagonistas secundários, figurantes numa fase etária de amadurecimento da (mulher) jovem: a da maternidade (Figura 1).
Figura 1. Fonte: (da esquerda para a direita): Revista Máxima, Julho de 2015;revista Activa, Julho de 2015.
Parafraseando o cartoon de Épinel, tudo se resume à «age du jeunesse, 20 ans», à «age viril, 30 ans» e à «age de maturité, 40 ans» (Figura 2). ‘No contexto deste trabalho, ‘l’age viril’, deverá ser entendida como uma fase de «fertilidade», convenientemente adaptada a uma ‘age de maternité».
Figura 2. Fonte: Wikimedia Commons, url em 27 de Agosto de 2015. https://commons.wikimedia.org/wiki/File:0 Degr%C3%A9s des %C3%A2gesEstamped%27. EpinalMus%C3%A9e des Civilisations de l%27Europe de Marseille.JPG
Em termos narrativos, constatámos que a temática da «juventude» foi explorada no discurso publicitário como a configuração de uma situação de estado desejada e, portanto, idealizada. Do ponto de vista das estratégias da manipulação, uma situação ambicionada, sobre-determinada pelas modalidades da tentação ou da sedução. Encontra-se contextualizada axiologicamente por valores positivos e timicamente por um enquadramento eufórico cujo fundamento não é estritamente microeconómico, pois não se centra exclusivamente na contratualização de programas de acção característicos de relações de troca ou de consumo.
Ainda assim, esta temática apresentou interessantes heterogeneidades que consideramos serem de cariz aspectual. (Greimas, 1976: 40-42). Esta particularidade é importante, pois favoreceu uma conceptualização da «juventude» por parte dos publicitários como uma situação de estado idealizada, mas, também, dinâmica, processual, sobre-determinada por semas que tanto lhe atribuíram uma ‘duração’, como uma ‘terminação’ (‘finalização’). Conforme a conjugação destes semas nas mensagens, assim a ‘juventude feminina’ foi significada ora como uma situação de estado desejada que ‘dura e não termina’ (figura da «jovem mulher») ora como uma que ‘dura apesar de já ter terminado’ (figura da «mulher rejuvenescida»). Subjacente a esta polaridade encontra-se uma meta-categoria temática de figuração publicitária - a da «juventude que se perpetua» - cujo valor é deduzido por contraste (isto é, por relação de oposição) com outra - a da «juventude que termina». A sua existência textual também se descortinou a partir a partir de uma figuração muito própria: a da «mulher envelhecida». Passamos a descrever cada uma das categorias inventariadas
3.1.1. Figuração #1: a «jovem mulher»
Esta é uma categoria determinada pelo sema aspectual da ‘duratividade’ que se sobrepõe ao da ‘terminação’.
No corpus de análise implicou a figuração de uma temporalidade adjacente a um lifestyle simultaneamente jovem e feminino que, de tão recorrentemente extraordinário, no sentido de se perpetuar, se tornou comum, regular: a vida ao ar livre, o romantismo, a aventura, a irreverência, etc. (Figura 3).
Figura 3. Fonte: Revista Máxima, Maio de 2015.
Nesta figuração, a mulher manifesta plena e constantemente a sua juventude por intermédio de figurações recorrentes de actores jovens e femininos, cenários exóticos e surpreendentes.
É de destacar como os regimes de figuração tendem a ser essencialmente de cariz iconográfico: predominância dos grandes e médios planos, com desvalorização da profundidade de campo e algumas representações que, do ponto de vista da iluminação, são relativamente sobreexpostas, de modo a produzir uma figuração brilhante, evanescente (Figura 4). A juventude é encenada como um presente do indicativo; um agora que se perpetua - a celebração transcendente do que não termina.
Figura 4. Fonte: Revista Máxima, Julho de 2015.
Neste regime, a transcendentalidade do eterno feminino, por ser tão recorrentementecelebrada, transforma-se numa espéciede«temporalidade ordinária», como se a duração não tivesse fim, não sofresse a acção do sema da ‘terminação’. Esta particularidade não impediu, todavia, a encenação de ‘descontinuidades’ que instituíram algum tipo de historicidade, mas na condição de jamais a contradizer. Correspondem àqueles momentos considerados decisivos no âmbito do ciclo de vida das mulheres: os tempos de solteira, predicados como de «ternura» (Pandora) e do «surgimento das primeiras regras» (Lactycyd), opõem-se aos do casamento (conotados como «inesquecíveis» – Morana Noivas), aos da «maternidade» (“O tempo do amor” – Tous; mas também das exigências e da ansiedade – Phytogold, Memo Force) e os da «menopausa» (Femal). Do ponto de vista figurativo, ao contrário do que sucedia com a significação daquela temporalidade mais transcendente, que implicava uma figuração recorrentemente visual, esta é essencialmente de índole verbal, em que as palavras objectivam as imagens (função de ancoragem).
3.1.2. Figuração #2: a «mulher envelhecida»
Por relação à categoría anterior (a da «joven mulher»), também descortinámos algumas interessantes encenações publicitárias que como que a suspendiam, a colocavam em parêntesis, enfim, como que a negavam. Considerámossere consequentes da intervenção do sema aspectual da ‘terminação’ no da ‘duração’, originando um discurso publicitário que instituiu uma espécie de ‘suspensão’ da temática da «juventude eterna». É como se o sema aspectual da ‘duratividade’ fosse subitamente afectado pelo da ‘terminação’ e a meta-categoria da «juventude que se perpetua» desse lugar à da «juventude que termina»; a eterna juventude fosse negada por intermédio do relato do incidente fortuito que fizesse envelhecer o corpo da mulher. Eis as encenações do excesso ou do descuido, nas quais se descorti ideológicamente uma moralidade (publicitária): as noites mal dormidas, a displicência com o Sol nos dias de praia, asnoitadas, os regimes alimentares pouco cuidados, a imprudência do tabagismo. Curiosamente, estes eventos são suportados por uma expressividade verbal, como se existisse uma ‘divisão do trabalho sígnico’: nos de substância iconográfica ainda se encontra a incumbência da significação utópica, idealizada, da juventude e da feminilidade eternas, portanto uma figuração sobre-determinada pelo sema da‘duratividade’; nos signos verbais, a da intelectualização, a da objectivação dos sentidos iconográficos por intermédio de mensagens prescritivas e de moralização (função de ancoragem). Uma expressividade regida pelo sema da ‘terminação’. Assim, se em termos de figuração iconográfica, a representação da mulher ainda tende a ser idealizada, eufórica, com um corpo perfeito, não marcado por estes incidentes, em contrapartida, as palavras são significativas de certas «histórias de vida» de fundamento disfórico: as olheiras das noites mal dormidas, as irritações dos excessos dos dias de praia, as rugas prematuras, as peles menos firmes dos primeiros sinais da velhice ou do nascimento dos filhos. O eterno encontra-se negado pela passagem da vida, do evento que o coloca em risco. Haja esperança, porque o incidente é facilmente ultrapassado pelo produto (Figura 5).
Figura 5. Fonte: Revista Vogue, Suplemento de Beleza, Junho de 2015.
3.1.3. Figuração #3: a «mulher velha»
Esta é uma categoria figurativa que foi deduzida a partir da primeira (correspondente à «jovem mulher») e, depois, averiguada empiricamente em termos de pregância textual.
Ao ser afectada pelo sema da «terminação», estabelece com essa categoria primordial uma relação de contrariedade (oposição), implicando a figuração da «velhice» (feminina). No nosso corpus de análise, esta categoria sobressaiu pela sua raridade, o que nos possibilitou concluir que são as outras que, pela, sua recorrência, constituíram os estereótipos mais difundidos pelo registo publicitário e propostos pelas revistas femininas às suas audiências no âmbito dos contratos de leitura e para os mais variados produtos e marcas. É como se existisse um regime de expressão no qual a figuração da idosa ficasse remetida para uma espécie de “tabu discursivo”.
3.1.4. Figuração #4: a «mulher rejuvenescida»
A configuração da «jovem mulher» era regida pelo sema da ‘duração’. Em contrapartida, a da «mulher velha» foi determinada pelo da ‘terminação’, podendo, contudo, apresentar importantes variações. Assim sendo, a temática da velhice feminina pôde ser figurada como uma situação de estado de ausência definitiva de juventude (uma velhice que não termina, que não é reversível) ou provisória (uma velhice que se nega, pois a juventude sempre se pode recuperar); uma velhice que se eterniza – e relativamente à qual constatámos a sua ‘raridade’ expressiva - ou que é provisória, na perspectiva de poder ser retardada ou adiada.
Se a figuração da «mulher velha» se constituiu no corpus como uma espécie de ‘tabu discursivo’, raramente encenada, mas sempre latente, em contrapartida, foram recorrentes as mensagens de publicidade nas quais predominou uma figuração adjacente à significação da sua negação. A mulher é figurada como alguém que, embora já não sendo jovem, aparenta sê-lo. Eis o fundamento da representação da «mulher rejuvenescida» (Figura 6).
Figura 6. Fonte: Revista Máxima, Maio de 2015.
Este regime de figuração publicitária decorre de uma encenação sobre o prolongamento da juventude que é regido por um enquadramento tímico eufórico da ordem da espera ou da esperança. Esta dicotomia patémica é
típico da espera (Bio Oil: “Faz o que promete”). Ilustramos o nosso raciocínio com um anúncio patente na Figura 7 que, contudo, não integrou o corpus de análise.
Figura 7. Fonte. Le Book. Url em 25 de Agosto de 2015. http://www.lebook.com/lacreative/creative/vichy-liposyne-advertising-2004
Em contrapartida, nos cosméticos, a velhice é encenada como uma situação de estado definitiva como se o sema da ‘duração’ se sobrepusesse ao da ‘terminação’ (a velhice não pode ser regredida). Contudo, ao contrário do que sucedia na figuração do envelhecimento, significada como uma situação de estado a evitar (e por isso mesmo, ‘abjecta’), a publicidade concebe a irreversibilidade da velhice como uma oportunidade de mercado por intermédio dos produtos que a camuflam – os cosméticos. As mercadorias tendem a ser concebidas como recursos que a visam disfarçar relativamente à sua inevitabilidade por intermédio de uma espécie de ‘pseudo-reversão’ (uma forma de ‘negação que é estritamente virtual’) o que facilita o seu enquadramento num contexto patémico já não da espera, mas da esperança, da crença, da confiança, em suma, da fé. Este contexto vai contribuir para a significação das mercadorias como se se tratassem de “objectos mágicos”, adereços miraculosos que possibilitam assegurar o rejuvenescimento a transformação do corpo da mulher tal qual uma crisálida (Figura 8): Vichy – “o prazer e nutrição de um elixir e de um bálsamo num ritual reparador”.
Figura 8. Fonte: Revista Vogue, Junho de 2015.
Na Tabela 1, sistematizámos estas quatro gamas de significação da juventude feminina. Destacamos que as substâncias do conteúdo se constituem, em termos discursivos, em papéis actoriais (isto é, em distintos regimes de figuração dos sujeitos publicitários: os de jovem mulher, mulher jovem, mulher velha ou mulher envelhecida).
Tabela 1
A “juventude que se perpetua” vs a “juventude que termina” são meta-termos (Conto, 2011: 13) que sistematizam configurações temáticas complementares e que decorrem da intervenção de semas aspectuais típicos (duração vs terminação) ou da sua distinta conjugação (‘Duração’ intervém na ‘Terminação’ vs ‘Terminação’ intervém na ‘Duração’).
No Esquema 1, encontram-se sistematizadas estas categorias de configuração temática.
Esquema Nº 1
3.2. Os resultados relativos aos regimes de expressividade
No âmbito dos regimes veridictórios de publicidade mais usuais – a partir dos quais o texto publicitário gere e engendra um fazer-crer comercial – e que estão associados à publicitação (parecer-ser) ou à demonstração (não parecer-ser) -, cada categoria entretanto inventariada encontra-se associada a dinâmicas de significação e a especificidades expressivas muito próprias. Passamos a discriminá-las há excepção da relativa à «Mulher velha» cujo estatuto expressivo constatámos ser o da latência.
3.2.1. A «jovem mulher»: o predomínio do visual
É neste regime que se decide, de um modo mais ou menos logotécnico, uma versão idealizada da mulher. Curiosamente é um que, do ponto de vista expressivo, é bastante lacónico. As significações decorreram mais da composição das imagens do que das palavras. Caracterizaram-se por representações estáticas, por vezes, compostas por poses distanciadas (a três quartos ou de perfil), fundamentalmente coloridas, com predomínio de grandes e médios planos e regimes de iluminação sobre-expostos. A manifestação do ‘ser jovem’ adjacente a uma ‘verdadeira’ feminilidade é suportada por uma expressividade estática, distante, adjacente a uma composição que se pretende transcendente, idealizada, típica da predicação dos objectos de desejo e de modalidades da manipulação inscritas no domínio da tentação (Figura 9).
Figura 9. Fonte: Revista Máxima, Maio de 2015.
3.2.2. A «mulher rejuvenescida»: a predominância do visual e do táctil
A figuração da mulher rejuvenescida constituiu quantitativamente uma boa parte do corpus de análise. Como já referimos, o discurso publicitário nega a velhice a partir de modos distintos de gestão discursiva das suas marcas configurativas, concretamente por intermédio do disfarce (cosmética) ou da terapêutica (reparação).
O disfarce das marcas da velhice também implicou uma figuração publicitária predominantemente iconográfica, associada ao posicionamento dos produtos como “dispositivos de camuflagem”. Este enquadramento figurativ encontrou-se complementado por uma recorrência expressiva do que estivesse relacionado com a visibilidade. Eis as encenações da luz, do brilho, da cor, do contorno (Figura 10).
Figura 10. Fonte (da esquerda para a direita): Revista Activa, Maio de 2015; revista Vogue, Junho de 2015.
Os textos são esclarecedores desta tendência para a ‘visualidade’: “Pele com aspecto saudável e resplandecente, do interior para o exterior” – Shiseido; (…) “um resultado de cor único, personalizado pelo seu cabeleireiro para iluminar, mesmos os castanhos mais escuros. Inoa melhora visivelmente a qualidade do seu cabelo” – Lóreal; “A pele transforma-se de imediato revelando uma aparência mais firme, esculpida uniforme e luminosa” – Estée Lauder; “independentemente da sua idade ou tonalidade de pele, Mission Perfection Sérim corrige, uniformiza, ilumina a sua pele sem alterar a tonalidade natural” – Clarins” (os itálicos são nossos).
Complementarmente a este regime de disfarce das marcas da velhice, outro existiu que as concebeu como “sintomas patológicos”. Mais do que um cosmético, o produto é agora posicionado com um recurso terapêutico, o que implica que a velhice seja encenada como uma situação de estado a ultrapassar, por tratamento, por ‘reparação’, por transmutação ritual do corpo enrugado num rejuvenescido, entretanto ‘alisado’, repuxado, preenchido. O anterior regime veridictório do ‘parecer-não ser’, adstrito à significação de uma «velhice» que se pretende disfarçar, dá agora lugar ao relativo a de um ‘(re)parecer-ser’ que reporta ao «rejuvenescimento». Nesta manifestação discursiva, as figurações passa a ser asseguradas por significações predominantemente tácteis: “Todos os dias, de todas as formas, fique mais elegante e mais firme; “o complexo Cell-junction (…) dá firmeza e dá juventude da pele para alisar os traços à superfície e densificar os volumes em profundidade – Lierarc. Esta terminologia táctil também se encontra conjugada com uma encenação visual sobre a flacidez, o peso e o volume da pele, a rugosidade das que apresentam celulite, por vezes complementada por interessantes expedientes gráficos, como os do recurso a heterogeneidades na qualidade do papel das páginas – algumas mais cartonadas e lisas. No âmbito desta encenação da tactibilidade é de destacar também a existência de imagens demonstrativas da acção do produto sobre a «profundidade» da pele (Figura 11).
Figura 11. Fonte: Revista Vogue, Junho de 2015.
Em suma, é no âmbito de uma isotopia figurativa de cariz ‘táctil’ adjacente a uma temática sobre a reversibilidade da velhice e a um regime veridictório especifico do (re)parecer-ser que alguns produtos são posicionados como «medicamentos».
3.2.3. A «mulher envelhecida»: o predomínio do verbal
Já anteriormente referimos: esta categoria figurativa foi caracterizada por uma dicotomia expressiva. Por um lado, as imagens, significativas de sentidos utópicos, relativos a uma juventude feminina idealizada, apresentam a mesma especificidade expressiva da categoria da «jovem mulher». Todavia, o sentido do envelhecimento decorre de uma expressividade verbal adjacente a uma significação que ainda não estava presente nas outras categorias inventariadas: a relativa à passagem do tempo. Esta categoria figurativa vai, portanto, instituir o relato, a narração do incidente (e da sua reparação) e que não é mais do que uma consequência da acção do sema aspectual da ‘terminação ’ no da ‘duração’. O sentido estático das imagens é contrariado por significações dinâmicas transmitidas pelas palavras com as quais se geram várias histórias sempre protagonizadas por anti-heróis – actores de desgraças auxiliados por adjuvantes. Estes nada mais são do que actores representativos das próprias marcas, constantemente dotados de instrumentos infalíveis/milagrosos (os produtos): Vichy Idéalia para “uma pele ideal ao acordar, mesmo quando as suas noites são curtas” (cf. de novo figura nº 5); Kérastase: “dê ao seu cabelo uma segunda vida. Resistence Thérapiste. O 1º programa recreador de fibra para cabelos muito danificados e submetidos a demasiados processos químicos”; Panténe: “nova tecnologia anti-oxidante” para proteger o cabelo de lavagens muito frequentes (Figura 12).
Figura 12. Fonte: Revista Máxima, Junho de 2015.
3.3. Os resultados sobre os programas narrativos
Repescando o esquema nº1, relativo ao quadrado semiótico da figuração publicitária, foi possível descortinar uma interessante dicotomia que é significativa da existência de disparidades de programas narrativos e que fundamenta o modo como os produtos e as marcas são posicionados publicitariamente. Tal dicotomia reporta à polaridade entre programas narrativos principais, por referência aos quais os produtos são significados (isto é, sãoposicionados/conotados) como meros
‘adereços’, e programas secundários, nos quais o são como ‘instrumentos’.
Subjacente ao eixo da «Juventude” vs «Velhice” apercebemo-nos da existência de programas narrativos principais que, do ponto de vista estratégico, visam estimular programas de acção dos enunciatários (públicos) relativamente ao seu querer (no respeitante aos objectos de desejo significados como tentações) ou ao seu dever (referente aos abjectos – situações de estado não desejadas pelos anunciantes e relativas aos produtos da concorrência significados com algo a evitar). Esta particularidade é interessante: a enunciação destes discursos pressupôs um enunciatário competente, isto é, alguém dotado dos valores modais do poder e do saber fazer. Alguém com competência performativa, quer para manter a sua juventude, quer para evitar a velhice (e os produtos da concorrência…). Nesta perspectiva, o discurso publicitário centrou-se na estimulação dos seus caprichos, na sedução das suas vontades, dos seus desejos e também dos seus receios relativamente ao que não lhe interessa. É nesta correlação entre o que o sujeito quer e o que a publicidade lhe oferece, que melhor se estabeleceu um vínculo de comunicação de estereótipos de juventude e de género suportados por contratos de leitura e por intermédio de modalidades de manipulação inscritas no domínio da tentação.
Ao contrario do que sucedia no eixo da «Juventude» vs «Velhice”, no do «Rejuvenescimento» vs «Envelhecimento» o registo publicitário encarrega-se de transmitir os valores modais do poder e do saber fazer agora inscritos em programas narrativos secundários considerados instrumentais, de aquisição de competências. São decisivos para a performance dos programas narrativos principais (nos quais se encontra um querer ou um dever fazer). No âmbito destes programas, os produtos são posicionados como ferramentas fundamentais com as quais os sujeitos adquiremum poder ou um saber fazer, possibilitando-lhes aceder aos valores (ou evitar os anti-valores) associados aos objectos de desejo (ou aos abjectos).
O eixo do «Rejuvenescimento» vs «Envelhecimento» pressupõe uma conceptualização do enunciatário como um sujeito incompetente. Não obstante ambicionar aceder aos valores supremos da juventude e da feminilidade, a leitora das revistas femininas e público-alvo destes anúncios é evocada como sendo um sujeito actancial destituído das habilitações que lhe possibilite protagonizar um percurso narrativo principal com sucesso.Tal contexto foi
Favorecer o posicionamento das mercadorias como ‘ferramentas’ que asseguram o poder fazer - o acesso a uma juventude e a uma feminilidade ambicionadas – e as marca como entidades adjuvantes capazes de comunicar um saber fazer no âmbito de programas narrativos de aquisição de competências. Visto que os valores modais de uma competência virtualizada (associada ao querer e ao dever fazer) já não estão em jogo, então o discurso torna-se acentuadamente prescritivo. Registou-se o facto de como os apelos se consubstanciaram em injunções conjugadas com a transmissão de informações relativas à formação de um poder e de um saber fazer (Panténe: “Nova tecnologia antioxidante. Descubra a revolução para o seu cabelo” – o itálico é nosso). As figurações publicitárias também variaram. Neste regime, já não se encontraram as modelos inacessíveis e transcendentes e as encenações distanciadas, mas as prescritoras, as apresentadoras, as demonstradoras - actrizes que protagonizaram os papéis de ‘pedagoga’ publicitária (Figura 13).
Figura 13. (Pormenor de anúncio). Fonte: Revista Activa, Maio de 2015.
Complementarmente, como o discurso publicitário registou uma derivação dos objectos de desejo para o próprio sujeito que sobre eles poderá/saberá desempenhar uma performance, então as modalidades de manipulação também transitam para as da sedução.
A sedução publicitária reporta uma valorização do ethos performativo do sujeito que é alvo do processo de manipulação. É neste contexto estratégico que se inscreve algum do discurso subjacente ao «Rejuvenescimento»; um discurso centrado numa consumidora com necessidades, que sabe o que não quer, mas ainda se encontra impotente ou desconhecedora sobre como o evitar. Por vezes, tal sedução é explícita (“Hoje sinto-me confiante, luminosa (sempre), bem na minha pele” – Vichy Laboratoires); outras, é mais subtil, na perspectiva de se encontrar implicitada na própria idealização da leitora do anúncio da revista. Quando a marca de cintas Janira Secrets revelou que o “efeito string” reduz até um tamanho”, que é uma peça “que não marca graças ao seu tecido imperceptível e ao seu acabamento sem rebordos” pressupôs a existência de uma leitora que, embora com um “tamanho a mais” (portanto, destituída das competências do poder e do saber fazer”), era alguém interessada, que queria saber mais.
3.4. Os resultados referentes ao enquadramento axiológico
Complementarmente à dicotomia relativa ao estatuto dos programas narrativos (de cariz principal vs secundário), as configurações publicitárias da juventude e da feminilidade também se fundamentam em estruturas axiológicas díspares. Algumas são coerentes com as que já foram sistematizadas por Jean Marie Floch aquando das suas investigações sobre as campanhas de publicidade da Habitat (Floch, 1995: 145-179).
A partir do momento que descortinámos no corpus de análise uma recorrência de estratégias de manipulação que reportam programas narrativos de estatuto principal ou secundário, também foi possível aferir a ocorrência de dois grupos axiológicos principais: os relativos aos valores básicos e os referentes aos valores de uso.
Os valores de base são de tipo existencial, fundamental: no caso do nosso corpus de análise, encontram-se adjacentes a regimes de prescrição (fazer-fazer) ou de interdição (fazer não fazer). É, portanto, a partir de um enquadramento axiológico positivo/negativo e tímico – eufórico/disfórico - que se fundamentam figurações publicitárias contrárias, no sentido de reportarem situações de estado ambicionadas ou repudiadas enunciadas e propostas (portanto, negociadas) com os enunciatários no âmbito de contratos de leitura.
Por sua vez, os valores de uso também estiveram adjacentes a regimes prescritivos ou proibitivos, conforme foram caracterizados por uma axiologia negativa ou positiva e um enquadramento tímico também eufórico ou disfórico. A diferença relativamente aos outros consistiu exclusivamente no facto de estarem subjacentes a programas narrativos secundários. São valores que incidiram no estatuto instrumental dos objectos, atribuindo-lhe uma funcionalidade, ou nos próprios sujeitos, no âmbito da mobilização das suas competências.
Por intermédio da projecção destas duas categorias axiológicas no quadrado semiótico identificámos quatros tipos de valorização que denominámos de “utópica”, “distópica”, “de renovação” e “de recuperação” (Esquema 2).
Esquema 2
A valorização utópica/distópica integrou-se numa axiologia básica. Remete para um domínio fundamental e existencial adjacente aos objectos ou aos abjectos em si. É a que fundamenta a oposição figurativa da ‘jovem mulher’ vs a ‘velha mulher’. Num caso, uma figuração sempre representada como desejável, no outro, uma que é implícita - inscrita no domínio da latência e da interdição e significada como uma situação de estado a evitar.
A figuração da «mulher rejuvenescida» baseou-se numa axiológica da renovação determinada por uma lógica cálculo – a relativa às escolhas mais acertadas para situações de estado em que o sema aspectual da ‘duração’ interveio sobre o da ‘terminação’. A velhice é proposta pelas revistas como uma situação de estado que pode ser revertida ou suspendida. Eis o posicionamento instrumental dos produtos como “medicamentos”, os que possibilitam resgatar a juventude perdida ou os significados como “cosméticos”, destinados a disfarçar a velhice. Esta valorização distinguiu-se, por sua vez, de outra adjacente a uma axiologia instrumental, que designámos de ‘valorização de recuperação ’ - aquela que reportou às situações de encenação do poder de combate ao envelhecimento descuidado – uma significação respectivamente determinada pela intervenção do sema aspectual da ‘terminação’ sobre o da ‘duração’. Estamos a referir-nos particularmente às configurações do envelhecimento feminino fortuito, no âmbito das quais os produtos foram significados como instrumentos de recuperação que possibilitam reparar danos não permanentes, superar incidentes pontuais -, os que jamais põem em causa a gestão de uma feminilidade que se pretende utopicamente jovem para sempre.
5. CONCLUSÕES
Previamente à verificação das hipóteses, respondemos à questão de partida sobre o modo como é figurado o actor de publicidade nos anúncios publicados nas revistas femininas, principalmente o que protagoniza os papéis de «jovem mulher».
De um ponto de vista quantitativo, é de salientar a frequência desta figuração. Constituiu-se como a principal no regime de comunicação publicitária transmitido pelas revistas para públicos femininos em Portugal durante de 2015 e foi a partir dela que também se recensearam outras duas cujo valor é de índole contraditória (a da «mulher envelhecida» inscrita na temática do envelhecimento) ou complementar (a da «mulher rejuvenescida»). A figuração contrária, «mulher velha» não se encontrou discursivizada (em termos de relevância estatística: três anúncios num universo amostra de 230), o que não impediu que apresentasse um estatuto latente inserido no domínio do implícito.
Complementarmente à frequência da figuração da «jovem mulher», também é de salientar a relativa à da «mulher rejuvenescida» à qual esteve subjacente a significação da «negação da velhice». Esta correlação consubstanciou-se numa interessante complementaridade expressiva em termos de figuração. No âmbito das temáticas da«joven mulher», o discurso publicitárintegrou-se predominantemente no regime da visão, enquanto nas da «mulher rejuvenescida» também este se recenseou, mas complementado por outro, que reporta um tipo de apreensão táctil. Daí a recorrência de uma isotopia figurativa relacionada com recorrência da encenação do peso, do relevo, do volume.
A correlação «jovem mulher»/«mulher rejuvenescida» associada à complementaridade «juventude»/«rejuvenescimento» também se Constatou nos regimes veridictórios do discurso publicitário, concretamente a partir de dois estereótipos fundamentais: o de uma juventude feminina significada como verdadeira (parecer ser) e o relativo a uma que é «(re)produzida», na perspectiva de uma recuperação da juventude (‘re-parecer ser’) ou de uma “encenação” sobre a sua existência a partir do disfarce, da camuflagem que só o produto cosmético consegue assegurar (parecer não ser). Esta relação de complementaridade também se fez sentir na própria especificidade dos programas narrativos. Na significação da «juventude» recensearam-se valores idealizados, utópicos ou, se quisermos, valores básicos adjacentes a programas narrativos principais. São aqueles pelos quais os sujeitos estabelecem uma relação de conjunção com ordens de valores e de objectos supremos (em termos de importância) e, por isso mesmo, ambicionados. Estão relacionados com uma identidade de género e etária, significada no texto publicitário e transmitida pelas revistas femininas como desejável («ser mulher é ser jovem»). Em contrapartida, na significação do «rejuvenescimento» encontraram-se programas narrativos secundários, instrumentais, por intermédio dos quais, os sujeitos adquirem competências para protagonizarem com sucesso os principais. São programas de reaproximação a um imaginário feminino e etário idealizado pelas anunciantes e as revistas femininas, no âmbito dos quais as mercadorias, sejam de produtos regeneração ou de cosmética, são posicionadas/conotadas num contexto passional que, para lá de ser de expectativa (espera), também é de esperança relativamente a uma reversão do tempo biológico ou, pelo menos, a uma dissimulação da sua acção. Constatámos, do ponto de vista da recorrência discursiva, isto é, a partir da quantidade de mensagens veiculadas transversais aos mais diversos produtos e marcas, que a figuração dos papéis de jovem e de mulher se centrou principalmente em torno destas destes domínios configurativos: «jovem mulher» e «mulher rejuvenescida».
Passemos para a verificação das hipóteses.
A primeira, sobre o facto de a «juventude feminina» ser uma configuração temática redundante e coerente, transversal às mais variadas marcas e produtos ou específica de algumas, foi confirmada parcialmente. Constatámos efectivamente uma recorrência dessa significação, como que apresentando um estatuto transversal (e exaustivo). A juventude e a feminilidade são temáticas recorrentes no discurso publicitário publicado nas revistas femininas. Em contrapartida, não conseguimos confirmar a recorrência dessa significação centrada em certas marcas ou productos em particular, como se existissem mercadorias «jovens e femininas». Esta impossibilidade decorreu do facto do período temporal subjacente ao corpus de análise ter sido demasiado curto para se conseguir avaliar a especificidade de significações subjacentes às estratégias das marcas.
A segunda hipótese relativa à existência de variações em torno da figuração da «juventude feminina» confirma-se. Em relação a esta configuração, omnipresente no corpus de análise, descortinou-se a sua articulação com outra, também dotada de uma forte presença discursiva: a da «mulher rejuvenescida» concebida como uma negação da velhice. Foi em torno desta conjugação de complementaridades semânticas que se articulou grande parte destes discursos publicitários.
A terceira hipótese, relativamente à possibilidade da figuração da jovem mulher se articular de modo distinto por referência aos frames de sentido publicitário, confirma-se. É certo que a significação fundamental relativa à «juventude feminina» registou um valor de transversalidade aos mais variados frames publicitários (produtos, pessoas, cenários de bem estar). Apercebemo-nos, contudo, que a relação de complementaridade configurativa «jovem mulher»/«mulher rejuvenescida» também se descortinou na própria articulação dos frame das pessoas com o dos produtos. A configuração da «mulher rejuvenescida» inseriu-se -se principalmente no dos produtos. Através do seu corpo, ela torna visível/materializa/personaliza/demonstra as capacidades performativas (instrumentais) de certas mercadorias como é caso dos cosméticos ou dos produtores ‘reparadores’. Em contrapartida, a figuração referente à «jovem mulher» insere-se predominantemente no frame das pessoas, no âmbito do qual se decidem estratégias de criação ou gestão de imagem de marcas de cariz utópico que não são necessariamente de cosméticos, nem de produtos de beleza. Na nossa opinião, esta tendência pode reportar um regime expressivo de cariz metonímico no âmbito do qual a figuração feminina se assume como uma representação estereotipada e idealizada das próprias audiências (leitoras) e dos respectivos mercados-alvo (consumidoras).
A quarta hipótese, referente ao facto da figuração temática da juventude feminina actualizar ou propor outros estereótipos de feminilidade por referência a contratos de leitura, foi parcialmente confirmada. Efectivamente, a publicidade actualiza estereótipos, mas não propõe outros, alternativos. Verifique-se, a este propósito, o modo como agenda exaustivamente os mesmos temas complementares («juventude» vs «rejuvenescimento») conjugados com um moralismo latente associado à temática do «envelhecimento». Assim se constatou a reiteração de uma figuração feminina na qual se descobre uma recorrência temática da «suspensão»: a mulher encontra-se sistematicamente “congelada” no tempo da juventude. Está encerrada na redoma de um estilo de vida que já não é surpreendente, pois de tão recorrentemente encenado deixa de ser extraordinário, de tão ritualizado se torna banal. Esta pregnância temática é tanto mais evidente quando complementada com outro universo semântico estigmatizado para o domínio da latência e gerido discursivamente como uma espécie de tabu: o da «velhice». Esta ausência surgiu como evidente, como se a configuração da «idosa» e a temática da «velhice» pairasse no registo publicitário, mas fosse uma realidade simbólica dificilmente discursivizada em termos publicitários. Neste aspecto, a publicidade contribui para a actualização estereótipos femininos relacionados, com a associação da idade ao género. É como se no mundo que a publicidade propõe nas revistas femininas portugueses durante o Verão de 2015 raramente existisse lugar para os mais velhos. As mulheres querem-se sempre novas ou, pelo menos, rejuvenescidas.
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